sábado, 5 de novembro de 2016

O olhar de um médico brasileiro sobre Cuba

Desde o ensino básico, as escolas cubanas são em tempo
integral. Na foto, crianças se preparam para aula de natação.
Fotos: Ari Hauck/Arquivo Pessoal
Ariovaldo Hauck da Silva, mais conhecido como doutor Ari, é médico sanitarista, homeopata, professor universitário na Faculdade de Medicina de Jundiaí. É também o atual vice-prefeito de Itatiba, embora em oposição ao prefeito. Filiado à REDE Sustentabilidade, partido do qual é um dos fundadores.

No início de outubro, dr. Ari visitou Cuba, onde participou de um Seminário Internacional de Educação, em viagem a trabalho como professor da Faculdade de Medicina, aproveitou para conhecer in loco o sistema educacional cubano. Apesar do breve tempo, e conhecedor da história daquele país, ele falará uma vez por semana sobre assuntos pertinentes e irá comparar a situação cubana com a brasileira.

Nesta primeira semana o dr. Ari abordará o tema Educação.

Qual a importância que o governo de Cuba dá à educação? É parecida com o atual presidente brasileiro?
Seria muita pretensão conseguir em 15 dias entender e me informar plenamente do sistema Educacional Cubano. No entanto, se percebe que lá a Educação é prioridade, mas também sofre com necessidade do país atualizar sua estrutura administrativa. A mãe tem subsídio do governo para cuidar da família até o bebe completar 1 ano de idade. Após 1 ano, a criança pode ser atendida nas creches para lazer e cuidados, inclusive médico, pois há integração com o sistema de saúde no bairro, com enfermeira graduada em tempo integral na escola fazendo a ponte com a UBS e assistência com médico.

Como funciona a estrutura e como está a situação dos prédios escolares?
Cuba é um país pobre, a estrutura dos prédios do governo em geral é precária. São prédios adaptados de antigos quarteis do exército ou da polícia, ou também de mansões abandonadas no período revolucionário entre 1953 e 1964.
Fachada de prédio escolar em Cuba. Apesar da estrutura antiga
ensino é de qualidade
O ensino é obrigatório até o nível Secundário, quando o jovem completa 15 ou 16 anos de idade. Todo ensino é feito em tempo integral e cada professor atende entre 25 e 28 alunos em sala de aula. Depois disso o aluno pode optar pelo ensino profissionalizante ou pelo Pré-Universitário. Há também possibilidade do adulto voltar a estudar para se aprimorar.
As escolas têm reuniões mensais com pais e alunos com participação ativa em todos os aspectos relativos à educação como indivíduos, mas também por meio de organizações sociais, os Conselhos de Escola, Grêmios Estudantis e os Círculos Infantis. As opiniões e recomendações derivadas do debate constituem ponto de partida para aperfeiçoamento dos planos e programas de estudo, assim como para capacitação de professores. Também, as organizações estudantis analisam e discutem as problemáticas que afetam sua formação e propõem soluções que são levadas em consideração pelas autoridades educativas.
A comunidade local, organizada nos Conselhos, faz manutenção básica das escolas, inclusive de hortas, decoração e festividades, no entanto, os prédios e equipamentos são desgastados e antigos.
A erradicação do analfabetismo exigiu criar escolas em todo o país, assim como formar professores para levá-los para todos os cantos da Ilha. O segundo passo foi transformar e consolidar o Sistema Educacional integralmente, tanto em seus objetivos como em seu conteúdo, diversificar o ensino e multiplicar as universidades. Para conseguir tudo isso, foi necessário empregar métodos novos, audazes, adequados a cada momento histórico para vencer dificuldades, agressões e sabotagens de todo tipo e do férreo bloqueio econômico desde o início da Revolução, que teve custo social elevado, com grande impacto na educação.

Como funciona o sistema para ter acesso à universidade?
O acesso à universidade baseia-se em critérios de merecimento e capacidade. O estudante cursando o Pré-Universitário de três anos é avaliado em seu curriculum escolar, sua vocação profissional e faz também provas de seleção. Como o ensino é gratuito e igual em todas as escolas do país, não existe seleção econômica nem social. Há grande estímulo ao ensino técnico, pois Cuba definiu que seus objetivos nas trocas internacionais serão mesmo de alta tecnologia com valor agregado.

Alunos do ensino técnico durante intervalo
Como é a formação dos profissionais da educação e a remuneração?
Os professores têm formação universitária em Pedagogia e em suas especialidades, além de receberem atualizações. A formação de professores de escolas primárias e de pré-escolar é feita nas Escolas Pedagógicas, com duração de quatro anos e com continuidade de estudos nas licenciaturas em Educação nessas especialidades, a partir de sua experiência em trabalho. Conta-se com 18 escolas desse tipo, cujos estudantes têm importância estratégica, por ser o professor primário a base de todo o sistema educacional.

O que temos para aprender com eles? Ou eles precisam aprender algo conosco neste quesito?
Cuba é um pais pobre, com dificuldade em recursos energéticos, mantendo-se em constante estado de alerta contra sabotagens internacionais. Há uma política de se evitar desigualdades sociais gritantes, assim os salários são pouco diferenciados, seja qual for a profissão. Um médico ganho pouco mais que um motorista de ambulância. Isso tem provocado certo descontentamento pela não valorização dos melhores desempenhos e acomodação na busca de eficiência. O grande diferencial que se observa, é que, apesar das carências e da simplicidade, há um orgulho e dignidade nacional. Cuba, com mais de 100 anos de guerras pela independência, tem seus heróis e seus exemplos de luta, especialmente Jose Martin (1853-95),  o grande mártir da Independência de Cuba na luta contra a Espanha. Além de poeta e pensador fecundo, desde sua mocidade, aos 16 anos, sua inquietude cívica nutria luta pelas ideias revolucionárias.
Aqui no Brasil... ‘nossos heróis morreram de overdose.’